O papel do jornalismo científico no combate à desinformação em tempos de pandemia

Conheci o Labjor em 2011, ao finalizar minha graduação. A especialização em jornalismo científico me pareceu incrível e sentia que tinha tudo a ver comigo. Imediatamente o curso virou uma espécie de sonho de consumo intelectual... não via a hora de abrir a seleção para poder me inscrever. 
Entretanto, essa pós não era a única no hall das possibilidades, e no final das contas, acabei ingressando no mestrado na UFABC, deixando a ideia da especialização para mais tarde. Após encerrar o mestrado, fiquei novamente no aguardo do processo seletivo (que só acontece de 1 ano em meio em 1 ano e meio) e ele abriu em meados de 2015. Dessa vez, eu me inscrevi, participei da primeira fase e fui convocada para a prova de língua.... adivinhem? Caiu exatamente no mesmo dia da prova de línguas da seleção do doutorado no PIEC/USP. É... novamente optei por seguir no caminho do stricto senso e prorroguei novamente a vontade de cursar a pós em jornalismo científico.
Recentemente, numa noite em que estava a toa,  me lembrei repentinamente da pós tão querida. Abri o site e lá estava: inscrições prorrogadas até dia 31 de maio. Tinha menos de uma semana, mas daria tempo de me inscrever! 
Sendo eu quem sou, é claro que deixei para o último dia, ou melhor, para as últimas duas horas. Realmente me veio uma descarga de adrenalina e determinação que me fizeram escrever esse texto que apresento a seguir (nem precisa falar o estado que fiquei depois). Passada primeira e segunda fase, consegui ingressar! 
Depois de 10 anos querendo fazer parte desse curso, cá estou, bem feliz =)

“O papel do jornalismo científico no combate à desinformação em tempos de pandemia”

Em tempos de pós-verdade, no qual opiniões prevalecem aos fatos, toda comunidade científica começa a se indagar, provavelmente demasiadamente tarde, onde errou. O erro, se assim podemos chamar, está na pouca importância dada, ou até mesmo na total ausência da divulgação, em termos menos técnicos, do conhecimento que vem sendo construído.

Seja no campo da genética, da física de partículas ou da bioquímica metabólica, não estamos nos referindo, aqui, às publicações em papers científicos. Contrariamente, por se tratarem de motores de produtividade e fundamento de métricas que indicam quais pesquisas valem investimentos e quais não, essas sim, os cientistas fazem e fazem muito. O ponto aqui é a divulgação científica para a população geral, uma população que não sabe, ou não se lembra exatamente dos termos e conceitos relacionados ao sistema imune, por exemplo. Pessoas que constroem e cristalizam uma concepção de que a Ciência está distante de suas realidades, e que, portanto, não sabem onde achar essas informações ou nem ousam entendê-las.

Iniciei o texto falando que a comunidade científica começou a se indagar sobre essa responsabilidade intrínseca de informar os outros e perceber as falhas desse sistema que não favorece o diálogo mais amplo sobre Ciência com a sociedade. Embora ainda tímidos, movimentos de expansão da divulgação científica a partir da comunidade acadêmica vêm sendo cada vez mais frequentes, ainda mais em decorrência da pandemia do Covid-19. Pesquisadores têm usado as tecnologias e as redes sociais para atingir comunidades extra-acadêmicas, divulgando seu meio de trabalho, investigações e processos científicos. Sendo assim, 2020 foi marcado como o ano das lives e dos instagrams de divulgação científica, da mesma forma que também deixou evidente como a desinformação aliena e é causa de muitas mortes que poderiam ter sido evitadas. 

Escolhida como a palavra do ano em 2016 pelo dicionário Oxford, a pós-verdade, ou em inglês “post-truth” é definida como: “relacionar ou denotar circunstâncias nos quais fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal” (OXFORD, 2016). Tal definição, de uma ótica mais simples, pode ser explicada por algumas dessas frases:

- “Se todos meus amigos compartilham essa informação no Facebook, deve ser verdade”; ou

- “Meu líder religioso comentou isso na celebração, e eu acredito de olhos fechados nele”;

- “A fulana é tão boazinha, jamais iria querer nos enganar, então concordo com ela”.

Nesse telefone sem fio da atualidade, as pessoas não apenas perdem informações no meio do caminho, mas também acrescentam e nem sequer verificam se aquilo que está sendo propagado faz sentido, está contextualizado no espaço e no tempo, faz referência a alguma fonte segura ou diz a verdade. E qual verdade? A sua ou a minha?

Curiosamente a verdade deixou de ser única, os argumentos para justificar, por exemplo, que a Terra é plana são os mais alucinantes possíveis, mas há quem realmente encontra uma razão neles. E assim são criadas e divulgadas tantas Fake News sobre as vacinas, sobre a origem do vírus SARS COV 2 e inúmeras teorias da conspiração que brotam a cada segundo nos blogs, nas redes sociais e nas correntes do Whatsapp.

Mas se a comunidade científica, que até então não tomava para sí a responsabilidade de fazer a divulgação científica, sobrava para quem nos informar sobre ciências, além das escolas? A importância do jornalismo científico é bastante clara para qualquer pessoa que entenda que uma sociedade crítica e emancipada só existe com informação de qualidade e informação sobre os fenômenos que nos rodeiam. Porque sim, a Ciência está em todo o lugar e não apenas nos laboratórios cheios de vidrarias, elementos corrosivos e cientistas malucos.

O ato de fazer jornalismo científico é, mais do que nunca, um ato político e de resistência. Pois são tais profissionais que buscam dar luz para toda uma sociedade que está nas trevas e ao trazerem informações verificadas, coerentes e de maneira simples para o expectador, ouvinte ou leitor, leigos e/ou interessados, trazem consigo também a oportunidade de uma tomada de consciência, a oportunidade da reflexão e da tolerância.

É ótimo que a comunidade científica acordou para a dura realidade de que se não divulgarem suas pesquisas para a população, não haverá pessoas que entenderão como necessários os investimentos em pesquisa, de forma que os cortes de orçamento para universidades públicas neste país só irão ladeira abaixo. Mas o fato é que, sem o jornalismo científico, estaríamos vivendo uma realidade mais dura e obscura.

A colaboração entre ambos os profissionais é que deve ser incentivada para subirmos um degrau na luta contra a desinformação. Os acadêmicos e os jornalistas científicos possuem competências diferenciadas e complementares e podem, sim, ter objetivos em comum. Garantir uma divulgação científica de qualidade é agregar o rigor de cientistas às habilidades de comunicação de um jornalista científico.

Um autor que, inclusive, é grande alvo de críticas na atualidade, escreveu que é somente conhecendo verdadeiramente sua realidade e construindo sua consciência crítica sobre o seu mundo que um sujeito consegue emergir e transformar sua vida e a vida dos que o rodeia. São palavras, é claro, de Paulo Freire, que disserta sobre uma massa de oprimidos que é dominada por uma elite de opressores, na qual, os últimos, acomodados em suas posições privilegiadas, não fazem esforços para mudar tal situação.

Paulo Freire, então, se faz atual ao apontar que: “a única forma de pensar certo do ponto de vista da dominação é não deixar que as massas pensem” (Freire, 2001, p.128). E assim, não é difícil entender o posicionamento de muitos que estão nos altos cargos políticos brasileiros, que além de todos as ações desumanas, também incentivam a desinformação, o medo e a mentira.

Nunca nos sentimos tanto dentro de uma distopia, pois acontecem coisas nesse Brasil que até George Orwell, se soubesse, se arrependeria de não tê-las escrito em 1984. Entretanto, enquanto escrevemos, falamos, nos impomos e enquanto esse texto e tantos outros ainda não estão sendo alterados e enviados direto para as fornalhas do esquecimento, há também resistência e esperança.

 

Referências

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 30ªed: Paz e Terra - São Paulo, 2001.

ORWELL, G. 1984. São Paulo: Editora Schwarcz LTDA, 2009. 414p.

Oxford Languages. Word of the year 2016. 2016. Disponível em :  <https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016> Acesso em: 31.05.2021.

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